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24/11/2020

Crônica: O Bereguedê da lagoa

Texto: Frederico Bomsucesso / Foto: Clara Domingas (Disponível no perfil do Instagram: https://www.instagram.com/p/CEgtc_NFLIE/?igshid=8fjlplaoenwn)

Eu nunca vi tanto arerê, como numa audiência em câmara de vereadores em seção extraordinária, com políticos de todos matizes, ativistas, moradores de bairros e ONG´S, discutindo o que é certo e de direito.

O povo da política encontra motivo pra tudo, pra colocar o ponto no “i”, pra homenagear seus parceiros e até de encontrar dia certo para batizar e nomear o dia para guardar o patrimônio.

Se patrimônio tem dia, eu não sabia, mas na Bahia tem, e quando fala, se fala do dia do patrimônio, do da baiana do acarajé, do meio ambiente, que vira logo negócio, da porca entornar o rabo, da cobra fumar e até de burro quando foge. O conselho não demorou muito para acontecer, mas as discussões levantaram poeira, nas esferas da eternidade.

Pronto, falar de eternidade e de salvação é o mesmo que lero-lero, nesse mundo político. Temos um governo de um “Messias”, que ainda não teve tempo de fazer milagres, e que possui um ministro de meio ambiente que mais parece um lêmure, com duas “bodegas” de “zoios”, graúdos que espia, e corre logo para o buraco, um governador que sempre de costas desaparece, e um toquinho de gente, que adora cortar árvore e construir coisa.

É por isso que o pau está quebrando lá pelas bandas das areias brancas da lagoa Abaeté.

Só falo o que vi, e não é “kawo” (mentira), pois esse povo gosta de ejó (fofoca), e, já fala que fala pelos cotovelos, o que não sabe, imagine sabendo.

Foi tanta gente convidada para essa seção que a câmera entupiu.

Logo de cara, sua excelência o governador disse, que não iria se meter nessa briga pra não dar arenga em seu final de mandato, que era também filho com muito orgulho da presidente do sindicato das lavadeiras do bairro da Liberdade, e a água que elas usavam era do “Queimadinho”, e portanto, não tinha areia branca e sim muito sapo e mutuca.

– Deixo o caso com a academia, onde o professor, arquiteto e historiador da arte de descrever as cidades, Paulo Dormindo, que é um dos meus, vai regenerar todo aquele acesso e entorno, dando melhoria de vida a todos dessa população local. Falou sua excelência já ruborizado mostrando a cor do seu partido no rosto.

De forma singela a senhora Cilene Davares, diretora do Patrimônio da Fundação Matos, um doce de candura, replicava que patrimônio é pertencimento e, que a comunidade que lute, pois o governo não está nem aí. Já foram convocados cientistas e pesquisadores para estudo técnico e comprovou que existe projeto com menor preço e pouco impacto ambiental no tocante a esgotamento sanitário.

Na mesma da hora o povo desceu a madeira.

– É de esgoto que está se falando? Perguntou a mestranda, Alvina Domingues, afirmando que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa, mas, que estava ali pra falar da construção da estação elevatória do Abaeté e seu impacto com a população local.

Num cozinhar de um dendê, Dona Lita dos Santos, representantes das baianas de condimentos afro-brasileiro, botou as mãos nas cadeiras, (quadris), e com um vozeirão de quem engoliu um tuite que se prendeu na garganta, falou: – Me chamaram aqui pra falar de acarajé ou de construção de estação levantada? Vai ter mirante?

Se bulindo como quem tem coceira na pele, dona Mariana do Quilombo Quimgona, vizinho ao parque, ou melhor a APA do Abaeté, reverberou em alto e bom tom, que o quilombo dela, desde o século XVII, já jogava tudo no rio Pitanga, e os peixes comiam os detritos e a gente comia os peixes, gerando produtos orgânicos, e com o selo do Projeto Baía Azul.

O mestre capoeirista Duda, presente na reunião segurando seu berimbau com uma mão, e com a outra apertava o cordão da calça de capoeira, dizia que estava ali pra passar a rasteira nesse povo que gosta de lengalenga. Será que era o povo do IPAC ou da Conder?

Imediatamente, o seu Jonas Carlos diretor do IPAC, parecia até taquígrafo com tanta anotação que fazia, e como quem tira o braço da seringa ou quem tira o anel da reta, esclarecia que o buraco é mais embaixo, e se colocava a disposição, chamando seu compadre e colega, um tal de Pedro Serra, que resmungava afirmando que tudo aquilo era um crime e iria denunciar em Brasília, pois entendia que a área em questão era protegida.

Protegida por quem? Pulou o vereador Mario Mendes, do mundo verde, dos fracos, dos oprimidos, que tão empolgado começou a fazer seu discurso, na esperança de fazer alguma coisa pra esse povo, pois só o chamavam de pouca urna e o bambu gemia.

Até sua posição no meio da seção era estratégica, pois sentava-se junto a Dona Cilene Damaris, do lado direito e o povo de santo com os afro-indígenas do Abaeté do lado esquerdo.
Dizem que ele morre de medo do povo dos azeites, mas na política vale tudo! O couro comendo na câmara e o pau quebrando na lagoa.

Não mais que de repente, uma voz destoa no meio da seção dizendo que tinha uma carta psicografada de seu Caymmi, lá na erraticidade, corrigindo sob os moldes do politicamente correto que o Abaeté era uma lagoa com ausência de cor, arrodeada de areias claras, alvas, cor de neve, e que Calazans Neto, avisava que não iria pintar mais cabras e nem dunas, e o Jorge Amado, mandava lembranças e sorte por ter saído de Itapuã na hora certa. O único que não quis falar foi Vinicius, pois estava ocupado em sua rede tomando uísque, tudo isso em mensagem recebida no Centro Espiritualista Sol, Lua, Lagoa e Fraternidade.

O pastor Everaldo com a irmã em Cristo Laiane, ciscando como quem vai cair na faca, dizia, que a lagoa era sagrada, que já tinha sido conhecida como poço de Jericó, a tempos atrás, que o pai que está nos céus, encontrou uma moça de má vida lavando roupas nas areias brancas que arrodeava o poço, e que depois de tudo isso ficou conhecida como lagoa do Abaeté registrado na última página da “bribria”. Amém!

Amém, senhor, de joelhos digo eu de cá! Será que vai ficar por isso mesmo! O povo quer não quer elevatória no alto e nem como mirante! Mas, pelo que estou vendo, não sei onde esse diacho vai ficar, no baixo ou no alto mesmo, pois no baixo é mais barato e o governo não está nem aí! Eles dizem que possuem estudo técnico e científico e engabela esse povo facilmente.

Ressurgindo como uma Oya, em dia de festa, a “adevogada”, Maria Alicia, toda trabalhada no alvo, abriu sua pasta e tirou um livrinho verde-amarelo, começando a dedilhar de olhos fechados os artigos e os parágrafos da Constituição.

Pronto, o reboliço estava feito. Mexeram em casa de arapuá. Poderosa, da forma que ela é, e sorrateiramente disse: Xangô, que está sentado numa pedra, não vai deixar. O Abaeté está em rede, e esta estação elevatória é coisa do de costas, que adora construir um elevado.

Maria Alicia, pede novamente a palavra, ajeita o “ojá”, e com uma mão no colo dos peitos, e outra na bolsa, começou com um discurso de maré cheia, arrebatando a todos presentes. – Consta na Constituição que é de competência do Governo das esferas, Federal, Estadual, Distrital e Municipal o salvamento do patrimônio material e imaterial, bem como a proteção cultural dos bens históricos.

– A lagoa pede socorro, e em breve vai virar poço, igual ao de Jericó. Daqui a pouco não vai dar para mergulhar nas suas águas, coisa que já basta o povo de “Jesusi”, fazer batismo nas suas águas, para saírem todos se coçando, outros, que vão fazer passeio turístico nas dunas, são atacados pelos tuaregues, que só faltam tirar a alma das criaturas. Assim, alardeava Maria Alicia.

Como num passe de mágica, de quem joga uma pemba imobilizante no salão, o senhor Pedro Serra com o microfone mão, diz que vai para gritar por socorro a Deus e o mundo, em todos os terreiros da Bahia, em todas igrejas evangélicas, em Brasília, no Vaticano, na ONU e até no Tribunal Internacional de Gaia.

Em um átimo, o povo de santo e o povo do culto das matas, os irmãos evangélicos, os artistas, os ativistas, a comunidade dos quilombos, os das ONG´S, os das academias, o povo do santo Daime, da ayuasca, até os de língua ferina que escreve esse desabafo, reagiram com gritos de “é isso mesmo”, fazendo com que os políticos ensandecidos pelo capital, em suas falcatruas de enriquecimento ilícito, soltarem sorrisos de mofa e pedirem para saírem pela tangente, morrendo de medo de um Bereguedê na câmara de Salvador.

Agora lhe digo, não brinque com esse povo com vara curta, pois essa terra tem muito feitiço!